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Archive for 12/09/2011

Sob suspeita: Procurador-geral da República questiona Regime Diferenciado de Contratação para obras da Copa de 2014

Fonte: O Estado de S.Paulo

Regime para a Copa na Justiça

A iniciativa do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de recorrer, na sexta-feira, ao Supremo Tribunal Federal contra dispositivos a seu ver inconstitucionais do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) – que criou um sistema especial de licitações para as obras relacionadas com a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 -, é coerente com as preocupações que vinha externando no âmbito do Ministério Público Federal. Ele teme que, em comparação com a Lei 8.666, que rege as concorrências públicas no País, o novo modelo propicie mais oportunidades para atos lesivos ao erário – bandalheiras, na linguagem popular. 

De autoria do governo, o projeto do RDC, concebido para acelerar os empreendimentos tidos como necessários àqueles eventos esportivos de ressonância mundial, foi aprovado pelo Congresso em julho último e sancionado no mês seguinte pela presidente Dilma Rousseff. Imediatamente, o bloco de oposição, integrado pelo PSDB, DEM e PPS, pediu ao Supremo a derrogação da lei, sob o argumento de que ela reduz a transparência das contas do Executivo e pode facilitar a corrupção. Os receios não são infundados, mas tampouco se pode negar que, depois de a Câmara dos Deputados ter aperfeiçoado a proposta original, se fortaleceram as posições favoráveis ao regime especial.

O principal alvo das críticas é a passagem que obriga o poder licitante a manter em sigilo o valor que presume adequado para cada obra. Na Lei de Licitações, a estimativa é sempre pública. Em meados do ano, quando as atenções se voltaram para o projeto – tardiamente, aliás, por ter chegado ao Congresso em 2009 -, advertiu-se que o sigilo dos orçamentos parecia se estender até aos órgãos oficiais de controle, a começar do Tribunal de Contas da União (TCU). Na tramitação da matéria, esse risco foi eliminado. E se ficou sabendo que a norma é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne uma trintena de nações, entre elas as mais ricas do mundo.

A entidade entende que o segredo reduz o custo dos empreendimentos, ao estimular as empresas interessadas a oferecer preços mais baixos e ao impedir conluios entre elas. Outro ponto visado é o que dispensa os governos de exigir dos participantes das licitações a apresentação do respectivo projeto básico: os ganhadores que desenhem a obra e cuidem de executá-la no tempo devido. As empreiteiras, por sua vez, ficam desobrigadas de atestar sua capacidade técnica ao se candidatar: apenas a empresa escolhida terá de exibir prova de habilitação. Essas polêmicas inovações visam a acelerar o processo licitatório e a entrega do serviço, reduzindo – em tese – o gasto público.

Enquanto o procurador-geral Roberto Gurgel adverte que “é preciso cuidar para que esses dispêndios estejam rigorosamente de acordo com os princípios consagrados na Constituição”, o que nem sempre estaria transparente no texto da lei, o presidente do TCU, ministro Benjamin Zymler, considera “excelente” na sua maior parte o regime especial. Em um recente debate ele se declarou “perplexo” com as críticas ao modelo, que seria um casuísmo para recuperar o tempo perdido na modernização da infraestrutura nacional, visando à Copa e aos Jogos do Rio de Janeiro, ao preço de afrouxar o controle sobre as empreitadas. Não é esse, contesta Zymler, o espírito da nova lei.

Ainda que não seja – o que, a rigor, só o futuro poderá dizer -, a coexistência de dois sistemas de licitação é no mínimo estranha. Se o RDC é tão mais conveniente do que a Lei 8.666, por que o governo não a substituiu de vez pelo formato alternativo? Além desse contrassenso, há uma questão prática no horizonte. Pela nova fórmula, cidades distantes até 350 quilômetros das sedes do Mundial podem tocar obras alegadamente relacionadas aos eventos. Mas alguns municípios, por insegurança jurídica, tenderiam a preferir a norma geral das licitações. Seria o caso da prefeitura do Rio de Janeiro, segundo o colunista do Globo Merval Pereira. Em suma, se o RDC não tivesse sido aprovado contra o relógio – para variar -, o Congresso poderia ter produzido uma lei com menos pontos duvidosos.

Ressocialização: Em Minas obras para Copa 2014 geram emprego para presidiários

Fonte: Almir Leite – O Estado de S.Paulo

Porta aberta para um novo começo

Programa de inclusão aproveita presidiários e ex-detentos nas obras e dá a eles chance de se reintegrar à sociedade

A noite de 4 de agosto foi animada na casa de Sebastião Nunes, antiga e espaçosa construção no bairro Floramar, em Belo Horizonte. Na mesa da sala, pizzas e refrigerantes, pagos pelo aposentado de 85 anos. No rosto das pessoas, largos sorrisos. Ninguém fazia aniversário. A comemoração, porém, se justificava. O filho de Sebastião chegara em casa um pouco antes, exibindo a carteira profissional preenchida. Estava empregado.

Aguinaldo Soares Nunes, 43 anos, separado, duas filhas adolescentes, acabara de ser contratado pelo Consórcio Minas Arena. Por um salário mínimo por mês (R$ 545,00), tornou-se encarregado de cuidar dos armários, e de zelar pelos pertences, dos operários que trabalham na reforma do Mineirão. “É uma oportunidade de ouro””, define.

Aguinaldo é um dos beneficiados do convênio estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com Comitê Organizador da Copa de 2014 (COL), Ministério do Esporte e estádios e municípios que receberão jogos do Mundial. O acordo prevê a contratação de ex-presidiários e detentos do regime semiaberto, numa parceria com o Programa Começar de Novo, para as obras da Copa, notadamente de construção e reforma de estádios.

Além de Belo Horizonte, já implantaram o programa. Cuiabá, a pioneira em agosto de 2010, Brasília, Salvador e Fortaleza, a mais recente. Até o momento, foram cerca de 90 contratações.

Para Éder Morais, presidente da Agecopa, órgão responsável pela Copa em Cuiabá, o convênio é bastante positivo. “Em geral, o reeducando deixa a prisão, após o cumprimento da pena, sem nenhuma perspectiva. Esse programa representa uma chance para que sejam reinseridos na sociedade”, defende.

A capital do Mato Grosso tinha em agosto 8 presos do regime semiaberto trabalhando na Arena Pantanal. A intenção é aumentar gradativamente esse número e, numa segunda etapa, contratar também para as obras de mobilidade urbana.

Morais explica que a seleção desses funcionários é rigorosa e conta com apoio do Poder Judiciário do Estado. Os escolhidos têm de preencher requisitos básicos, como bom comportamento na prisão. Não precisam necessariamente ter profissão. São recrutados como serventes, pedreiros, carpinteiros, eletricistas, e recebem treinamento. E, claro, quem não andar na linha é cortado do programa.

Minas conta com cerca de 30 presos do regime semiaberto nas obras do Mineirão, mas esse número deve subir bastante. “O consórcio nos pediu 10% da força total de trabalho. O pico das obras deve ocorrer em março de 2012 e teremos mais inclusões. Creio que chegaremos a 200”, prevê o secretário estadual de Defesa Social, Lafayette Andrada.

Os presos que trabalham no Mineirão são da penitenciária José Maria Alckmin, em Ribeirão das Neves, e o consórcio Minas Arena é responsável por levá-los ao trabalho e também devolvê-lo ao presídio após o expediente.

Passo adiante. Aguinaldo Nunes não pega mais esse ônibus. Nos seus dois primeiros meses de trabalho no Mineirão, estava no regime semiaberto de sua pena de 4 anos e oito meses por tráfico de drogas e porte ilegal de arma – nos anos 90, já havia “puxado”” cadeia por assalto. Conseguiu então o benefício da condicional (sua pena termina no ano que vem). Em seguida, veio o registro em carteira.

“Poder recomeçar com dignidade é ótimo. Essa chance de reintegração dada pelo consórcio é tudo””, diz Aguinaldo. “Muitas vezes, a pessoa volta ao crime porque não tem oportunidade.””

Não foi por isso, no entanto, que o mineiro de Belo Horizonte acabou trancafiado em uma cela por duas vezes. “Voltei por traficar, porque não tinha cabeça; caí na ilusão do dinheiro fácil””, admite, sobre sua segunda prisão.

Hoje, Aguinaldo garante: mudou a cabeça. Diz não se importar por ganhar apenas o salário mínimo e por trabalhar “das 7 às 7″”, de segunda a sexta. Só o fato de ter trocado o regime semiaberto pela condicional já o faz celebrar. “Quando você vê um passarinho cantando, acha que ele está feliz; mas só quando o solta da gaiola escuta o seu verdadeiro cantar””, filosofa.

Guardião dos pertences alheios, Aguinaldo Nunes ainda luta com o preconceito dos colegas de trabalho, aqueles não presidiários. “Tem uns babacas que não sabem nada e discriminam, mas agora está melhorando, pois o pessoal do consórcio e da promoção social ajuda bastante (na integração)””, diz.

O preconceito parece mesmo estar presente. Ney Campello, o secretário da Copa de Salvador, por exemplo, recusou-se a dar detalhes sobre os detentos – estima-se que 30 – que trabalham na reconstrução da Fonte Nova. “É que, se ocorrer qualquer coisa, qualquer ação violenta, assalto, nas imediações da obra, vão dizer que foram eles””, justificou.

Aguinaldo considera que já superou essa etapa da desconfiança. Preocupa-se, no momento, com coisas mais importantes. Voltar a conviver com as filhas Gabriela, de 13, e Tatiane, de 11 anos, com as quais só tem falado por telefone, e ajudar no sustento delas. “Por enquanto, ainda não dá.”” Também se comprometeu a pagar a próxima rodada de pizzas calabresas, suas preferidas, na casa do seu Sebastião, onde está morando. “Logo, logo, vai ser possível.””

PRIMEIROS PASSOS
90 vagas em obras de construção e reformas de arenas da Copa são ocupadas por egressos do sistema carcerário. O número vai aumentar nos próximos meses, com novas contratações

Itaquerão também estuda participar do programa
As obras do Itaquerão também deverão ter o trabalho de ex-detentos e de presos do regime semiaberto. Acordo feito em 9 de agosto pelo presidente do Corinthians, Andrés Sanches, com o Tribunal de Justiça de São Paulo prevê a contratação de até 240 trabalhadores que passaram pelo sistema carcerário e de outros 30 que ainda cumprem pena.

No entanto, ainda não está definido quando o programa começará. As contratações para o Itaquerão são feitas pela Construtora Odebrecht – parceira do programa Começar de Novo -, que negocia com as autoridades para definir como será o programa de inclusão para a arena corintiana.

Obras da Copa 2014: “Falta de transparência e a urgência nos prazos poderão resultar em desperdício de dinheiro e em chances de corrupção”, alertou Aécio Neves

Fonte: Artigo de Aécio Neves – Folha de S.Paulo

Mil dias

A ausência de um planejamento eficiente e as falhas nos projetos têm sido, aliás, as primeiras e principais causas das mazelas em obras públicas

Na próxima sexta, 16 de setembro, estaremos a exatos mil dias para que a bola comece a rolar na abertura da Copa no Brasil. O que deveria ser motivo de comemoração em um país apaixonado por futebol, infelizmente serve também para confirmar, de forma dramática, a instalação da política do improviso na administração pública brasileira.

Estamos atrasadíssimos e caminhando a passos lentos em direção a um calendário inexorável, apesar de o Brasil ter sido escolhido como sede da Copa em outubro de 2007.

Quatro anos atrás. A dimensão dos problemas que teremos, ao que tudo indica, pode ser mensurada pelo cidadão que já enfrenta congestionamento nos aeroportos ou observa que grande parte das obras nas cidades-sede permanece no papel. Isso a menos de dois anos da Copa das Confederações, a grande avant-première de 2014.

No caso dos aeroportos, cruciais para o transporte num país continental como o nosso, fomos vítimas de uma posição ideológica arcaica do governo, que considerava as concessões e as parcerias com o setor privado (PPPs) quase crime de lesa pátria.

Visão que parece superada com o anúncio feito de concessão de alguns de nossos terminais, embora, acredito, com atrasos já irremediáveis.

Igualmente conhecida é a precariedade das rodovias federais e do transporte coletivo nas capitais que terão jogos. Para explicar esse quadro desolador, há um fator predominante: a má gestão. A ausência de um planejamento eficiente e as falhas nos projetos têm sido, aliás, as primeiras e principais causas das mazelas em obras públicas.

Soma-se nesse contexto a iniciativa do governo de flexibilizar as licitações para a Copa. O novo regime de contratação das obras, RDC, está sendo implantado sem o necessário debate no Congresso e sem a devida análise dos órgãos de fiscalização.

As mudanças nas normas das licitações podem até ter aspectos inovadores, mas serão introduzidas em contratos com cifras vultosas.

A falta de transparência nessas contratações e a urgência nos prazos poderão resultar em desperdício de dinheiro e em chances de corrupção.

Infelizmente, outros dois velhos conhecidos do país. Por fim, não podemos nos esquecer que, durante o maior evento esportivo do planeta, os olhos do mundo estarão voltados para nós. Nossa infraestrutura e serviços de segurança serão avaliados diariamente, e nosso potencial turístico apresentado a milhões de pessoas. O Brasil poderá ganhar ou perder muito.

Em Copa do Mundo, só há um domínio em que o improviso deve prevalecer: nos gramados, quando estiver em campo o talento da seleção. Talento, aliás, que anda meio sumido. Mas, para isso, o Mano ainda tem tempo.

AÉCIO NEVES escreve às segundas-feiras nesta coluna.